BUENOS AIRES, Argentina - O impacto global causado pelo primeiro papa latino-americano estava na mente de muitos jornalistas que participaram na conferência da IARJ no final de abril, uma vez que se reuniram na cidade dinâmica onde Jorge Mario Bergoglio passou a maior parte da sua vida antes de se tornar o Papa Francisco.

Mas as cerca de duas dúzias de jornalistas e académicos, a maioria dos quais sul-americanos, também passaram dois dias a discutir a forma como o cenário religioso está a mudar na América Latina, como está a afetar o diálogo inter-religioso e como lidar com a tensão entre religião e liberdade de expressão.

Três dos principais jornalistas de religião da América Latina, Pedro Brieger, membro do conselho da IARJ, e Sergio Rubin e Mariano De Vedia, membros da IARJ, todos sediados em Buenos Aires, organizaram um programa excecional com alguns dos melhores e mais influentes escritores de religião, académicos e líderes religiosos da região.

Depois de aproveitarem a oportunidade para discutir os desafios e a emoção de cobrir religião na América Latina, os jornalistas expressaram muitas formas de promover os objectivos da IARJ, uma rede global de jornalistas que promove a excelência na cobertura da religião e da espiritualidade. O evento foi patrocinado pela IARJ com o apoio da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM, uma empresa mineira e metalúrgica sediada no Brasil).

Alguns dos presentes conhecem bem o Papa Francisco e falaram sobre o Efeito Papa Francisco nas suas sessões na Universidade de Buenos Aires.

Foram expressas várias palavras de cautela sobre a capacidade de qualquer indivíduo para efetuar mudanças imediatas numa instituição global de mais de 1,2 mil milhões de pessoas.

O sociólogo Fortunato Mallimaci, da Universidade de Buenos Aires, disse que realidades como a ascensão do secularismo, o fim dos regimes autoritários na América Latina e uma abordagem mais cautelosa em relação à religião organizada significam que a Igreja Católica não tem mais a mesma influência e o status de mais favorecida nos diálogos culturais e políticos na América Latina.

O pontífice pode dar as boas-vindas aos gays e prometer responsabilização para aqueles que encobrem ou cometem crimes de abuso sexual contra menores, mas tais aberturas só terão significado se forem implementadas pelos líderes da igreja em todo o mundo, disse Mallimaci, uma das maiores autoridades em religião e política na América Latina.

Mariano de Vedia, jornalista religioso do jornal argentino La Nacion e autor de Francisco, o Papa do Povo, disse que o pontífice assumiu uma agenda ambiciosa, desde o acolhimento de pessoas divorciadas de volta à igreja até à reforma da Cúria Romana para que esta sirva a igreja e não o contrário.

O maior desafio do Papa Francisco, disse de Vedia, será convencer o resto da Igreja a trabalhar com ele na promoção da mudança.

Dito isto, académicos, líderes religiosos e jornalistas já vêem sinais de que o Papa Francisco está a fazer a diferença.

A nível internacional, o Papa Francisco tem sido uma voz influente em questões que vão desde o conflito sírio e o genocídio arménio até ao restabelecimento das relações entre os EUA e Cuba.

O Conselho Mundial de Igrejas vê Francisco como um poderoso aliado e colaborador na defesa de questões como as alterações climáticas e a justiça ambiental, disse Marcelo Schneider, responsável pelas comunicações do Conselho para a América Latina.

É um porta-voz de comunidades mais alargadas, não apenas da Igreja Católica, afirmou Schneider.

Numa sessão sobre o Desafios do diálogo inter-religioso, os jornalistas e académicos afirmaram que ainda existe uma oposição significativa aos esforços do pontífice para construir pontes entre as divisões religiosas, tanto por parte dos grupos neopentecostais, que são uma presença crescente na América Latina e na Ásia, como por parte dos católicos conservadores, que desconfiam uns dos outros.

É fácil, concordaram os jornalistas, dividir as pessoas quando se trabalha nas esferas da política, da economia e talvez sobretudo da religião.

Na religião, todos nós pensamos que temos a verdade, que estamos certos, afirmou José Maria Poirier Lalanne, diretor da revista argentina Criterio.

Raul Scialabba, um líder protestante do Conselho Argentino de Liberdade Religiosa, disse algumas vezes a intolerância religiosa tem sido apoiada pelo Estado, incluindo na Argentina, onde o catolicismo romano é a religião oficial do Estado.

Scialabba exortou as pessoas a seguirem o exemplo de Bergoglio e a concentrarem-se menos na doutrina verdades e mais sobre as semelhanças. Só assim, disse Scialabba, é que as pessoas podem trabalhar com outras para criar comunidades de paz e prosperidade.

Num workshop sobre liberdade de expressão e religião, os jornalistas começaram por descrever o contexto geral: O facto de um em cada três jornalistas mortos todos os anos no mundo ser latino-americano.

Embora as divergências religiosas não sejam muitas vezes a causa dessas mortes, Alberto Barlocci, diretor do Ciudad Nueva Publishing Group, observou que os jornalistas que cobrem questões religiosas têm regularmente de andar numa linha ténue: A liberdade de expressão e a religião muitas vezes não se dão bem.

Apesar de Barlocci ter ficado horrorizado com o facto de 17 pessoas terem sido assassinadas este ano em Paris, em resposta à publicação de caricaturas de Maomé pela revista Charlie Hebdo, apelou aos ouvintes para equilibrarem o direito individual à liberdade de expressão com as consequências sociais desses direitos individuais.

Observando que as organizações religiosas são geralmente inclinadas a restringir a liberdade dos jornalistas, Barlocci disse que o jornalismo autêntico muitas vezes se soma a a relatar algo que alguém não quer que seja publicado.

Barlocci, que também é advogado, observou que é difícil responsabilizar completamente os meios de comunicação social quando alguém afirma que um jornalista feriu os seus sentimentos, uma vez que A ofensa é da responsabilidade da pessoa que recebe a mensagem.

Augusto dos Santos, um jornalista de rádio que também foi ministro da Informação do Paraguai, disse que ainda não percebeu se a liberdade de expressão e a religião podem ser conciliadas.

A Igreja Católica Romana na América Latina, disse Dos Santos, tem um historial misto. Durante os períodos de ditadura, foi por vezes corajosa a voz de quem tinha medo de chorar. Noutras ocasiões, afirmou, os líderes católicos foram culpados de suprimir a liberdade de expressão.

Nos últimos dois anos, observou Dos Santos, o Papa Francisco já fez uma clara mudança de direção com os seus votos e acções para abordar questões que vão desde os abusos sexuais até às práticas financeiras do Banco do Vaticano.

O maior impacto do Papa Francisco até à data, segundo ele, é o facto de uma igreja mais transparente.

Noutra sessão da conferência, jornalistas que dirigem uma variedade de agências de notícias religiosas na América Latina falaram sobre as suas lutas e sucessos na divulgação de notícias e pontos de vista que são frequentemente ignorados pelos meios de comunicação seculares.

Cesar Dergarabedian, fundador do Pulso Cristiano, falou da sua paixão por apoiar uma voz cristã independente na América Latina, onde um dos seus maiores problemas é lidar com pastores evangélicos que não toleram críticas de fora da sua comunidade.

Marcela Gabioud, da Associação Mundial para a Comunicação Cristã, e Claudia Florentin, da Agência Latino-Americana, apresentaram em pormenor os desafios associados ao aumento do perfil das questões da mulher nos círculos religiosos latino-americanos.

Sumer Noufouri, diretor da Agência de Notícias Islâmica da América do Sul, disse que seu meio de comunicação on-line destaca questões que muitas vezes não são cobertas pela mídia secular. Noufouri questionou por que as agências de notícias de grupos cristãos e judeus são frequentemente citadas na grande mídia da América Latina, mas não a sua.

Eduardo Woites, da Agência Católica Argentina de Notícias, descreveu como o seu serviço noticioso surgiu numa altura em que a Igreja Católica estava a ser perseguida, na década de 1950. Atualmente, é popular na América Latina e mesmo noutras partes do mundo, especialmente após a elevação do Papa Francisco da Argentina.

HISTÓRIAS RELACIONADAS COM A CONFERÊNCIA

Foi emocionante partilhar histórias e ideias com os escritores de religião que se reuniram em Buenos Aires. A maioria era da América Latina, mas outros eram da Europa, África, América do Norte, Austrália e Ásia.
Foi emocionante partilhar histórias e ideias com os escritores de religião que se reuniram em Buenos Aires. A maioria era da América Latina, mas outros eram da Europa, África, América do Norte, Austrália e Ásia. (Alguns participantes não aparecem nesta foto).