O Papa Francisco chega a San Cristobal de las Casas, no México, em 2016
SAN CRISTOBAL, MÉXICO: O Papa Francisco chega a San Cristobal de las Casas, no México, em 2016. Juntamente com os índios do México, celebrou a missa em três línguas nativas: chol, tzotzil e tzeltal. O Vaticano só recentemente aprovou a utilização destas línguas na liturgia. Fotografias de Marko Vombergar/ALETEIA (Usadas via Autorização Wikimedia Commons.)

A história da América Latina e das Caraíbas, desde a conquista espanhola, tem sido profundamente marcada pela espada e pela cruz. Os espanhóis descendentes de navios estavam geralmente ligados ao poder político das elites dirigentes.

Assim, mesmo nos golpes de Estado latino-americanos recorrentes no século XX, os militares que assumiram o controlo fizeram-no em nome de A civilização ocidental e cristã.

O que mudou o cenário foi a eleição do Papa João XXIII em 1958, que inaugurou uma nova era com o Concílio Vaticano II de 1962, que teve consequências políticas na região.

Numerosos padres começaram a reformular a teologia, a prática quotidiana, a liturgia e, sobretudo, a relação entre os padres e a população humilde. Não foi por acaso que, durante os anos sessenta do século passado, se desenvolveu a chamada Teologia da Libertação e que numerosos padres de toda a região decidiram a sua opção para os pobres. Viviam em bairros pobres e até trabalhavam em fábricas como simples operários - opondo-se Ocidental e cristão ditaduras.

Os padres da Teologia da Libertação também foram afectados pela revolução cubana de 1959. Muitos deles verificaram que a sua experiência não era contraditória com o socialismo, apesar da famosa frase de Marx sobre a religião como ópio dos povos.

A nomeação do cardeal argentino Jorge María Bergoglio como Papa Francisco em 2013 tem um ar de continuidade com a abertura proporcionada por João XXIII. De facto, quando Bergoglio foi nomeado papa, disse que a Igreja tinha de ser revitalizada. Ele associou o seu tempo à famosa frase de João XXIII de que era necessário deixar entrar ar fresco pela janela da igreja católica.

É claro que o contexto atual é muito diferente do de há sessenta anos. Por um lado, a consolidação de governos democráticos na América Latina permitiu uma retrospetiva crítica do papel da Igreja Católica durante as ditaduras militares, que incluíram o assassinato de padres e freiras com a cumplicidade de algumas hierarquias eclesiásticas.

Por outro lado, o crescimento das igrejas alternativas, principalmente as inúmeras correntes evangélicas que ganharam espaço nas esferas religiosa e política, também trouxe um novo ar para a América Latina. E é significativo levar em conta que Francisco sucedeu a duas figuras conservadoras, João Paulo II e Bento XVI, e que pela primeira vez na história há um Papa latino-americano que se identifica com a história da região.

Embora Bergoglio não tenha feito parte do movimento conhecido como Teologia da Libertação Latino-Americana, não se pode negar que a sua mensagem atual tem muitos pontos em comum com esse movimento.

A grande diferença é que a Teologia da Libertação foi perseguida pelos poderes da época e pelo Vaticano - e hoje há vários governos definidos como progressistas que estão em sintonia com a mais alta autoridade do Vaticano.

As viagens de Francisco pela América Latina têm tido um forte conteúdo político e são um reflexo dos novos tempos. Especialmente quando comparadas, por exemplo, com a famosa visita de João Paulo II à Nicarágua em 1983, quando questionou abertamente os sacerdotes que faziam parte do governo sandinista que derrubou a ditadura de Somoza em 1979.

Em 2016, o Papa Francisco visitou o México e não poupou palavras para criticar os sectores mais poderosos. Colocou-se abertamente do lado dos humildes. Sem eufemismos, criticou a exploração do povo pelas empresas e o problema dos salários insuficientes.

Para além de utilizar uma linguagem familiar e próxima dos sectores populares do México, visitou várias das zonas mais marginalizadas do país e o estado de Chiapas, onde há séculos foram bispos Frei Bartolomé de las Casas e Samuel Ruiz.

No México, Francisco dirigiu-se aos povos indígenas utilizando frases nas suas línguas maternas. E citou o lendário livro Popol Vuh, que conta a história da criação do homem na perspetiva dos povos indígenas.

Não foi por acaso que os indígenas o aplaudiram, cantando "temos um Papa ao lado dos pobres" e o apelidaram de jTatikpai, na língua tzotzil. É a mesma expressão que os fiéis usavam no passado para o bispo Samuel Ruiz, que na altura lutava contra o Vaticano.

Mas Francisco é hoje o Vaticano. E reivindicou a sua figura perante milhares de pessoas para todo o mundo ver, incluindo a hierarquia eclesiástica, tantas vezes criticada por estar longe dos mais necessitados. A cada dia que passa, a figura de Francisco torna-se maior para os sectores mais humildes e para os governos progressistas.

De facto, tornou-se alvo de críticas por parte dos sectores mais tradicionais do sistema católico e político, mais habituados a papas conservadores. Sem hesitar, porém, o Papa Francisco tem afirmado que a Igreja deve ser renovada. Na América Latina, já se sente como se o tivesse sido.